Ponto de encontro da turma da noite de antropologia, do ISCTE, 2001-2005
Quinta-feira, 25 de Agosto de 2005
Um pouco mais...
Houve um dia em que o primeiro-ministro disse poesia. É verdade. Pode parecer mentira, mas é verdade. Foi ontem, na Marinha Grande, na visita a uma indústria, a propósito do empreendorismo, da inovação e do desenvolvimento. Como incentivo à dinamização económica disse o primeiro ministro que “um pouco mais de sol – eu era brasa / um pouco mais de azul – eu era além”.
Pois. Pena é que na verdade a poesia já há muito tenha “recolhido a casa” na nossa vida política e pelos nossos dias a cidadania autêntica e a participação política se fiquem mais pelo “quase” que o poeta exprime nos seus versos.

Quase
“Um pouco mais de sol - eu era brasa,
Um pouco mais de azul - eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...
Assombro ou paz? Em vão... Tudo esvaído
Num grande mar enganador de espuma;
E o grande sonho despertado em bruma,
O grande sonho - ó dor! - quase vivido...
Quase o amor, quase o triunfo e a chama,
Quase o princípio e o fim - quase a expansão...
Mas na minh'alma tudo se derrama...
Entanto nada foi só ilusão!
De tudo houve um começo ... e tudo errou...
- Ai a dor de ser - quase, dor sem fim...
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa que se enlaçou mas não voou...
Momentos de alma que, desbaratei...
Templos aonde nunca pus um altar...
Rios que perdi sem os levar ao mar...
Ânsias que foram mas que não fixei...
Se me vagueio, encontro só indícios...
Ogivas para o sol - vejo-as cerradas;
E mãos de herói, sem fé, acobardadas,
Puseram grades sobre os precipícios...
Num ímpeto difuso de quebranto,
Tudo encetei e nada possuí...
Hoje, de mim, só resta o desencanto
Das coisas que beijei mas não vivi...
Um pouco mais de sol - e fora brasa,
Um pouco mais de azul - e fora além.
Para atingir faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...”
Mário de Sá-Carneiro
(Zé Paulo)


publicado por antmarte às 14:00
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3 comentários:
De Anónimo a 25 de Agosto de 2005 às 23:40
Amigo o vosso blog está a apresentar os posts ao contrário. Do mais antigo para o mais recente.
Realmente é coisa nunca vista um politico recitar poesia à excepção do Manuel Alegre.. claro está... No entanto a situação é de tal forma estranha que não surtirá o efeito que o Sócrates pretendia.José Raposo
(http://www.joseraposo.blogspot.com)
(mailto:jose_raposo@netcabo.pt)


De Anónimo a 25 de Agosto de 2005 às 14:23
Apesar da antropologia me ter criado maiores hábitos de leitura, a poesia foi sempre um campo que vi e ouvi na margem. Estas entradas são sempre bem vindas quando falta poesia à política e... aos nossos dias.Jorge Castro
</a>
(mailto:ph3.central@netcabo.pt)


De Anónimo a 25 de Agosto de 2005 às 14:15
Ola Ze Paulo.... gostei da poesia... e muito actual "Hoje, de mim, só resta o desencanto
Das coisas que beijei mas não vivi...
Um pouco mais de sol - e fora brasa,
Um pouco mais de azul - e fora além.
Para atingir faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...” é precisamente o que sinto neste momento... Isabel
</a>
(mailto:iscteriana@hotmail.com)


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