Ponto de encontro da turma da noite de antropologia, do ISCTE, 2001-2005
Quinta-feira, 29 de Dezembro de 2005
2006
Por estes dias é costume fazer-se balanços do ano que finda e projectar-se anseios para o que começa. Experiências boas e menos boas são revistas, mas é para o futuro que se olha, se é de um recomeço que se trata.
Ter-se acabado um curso, ter feito aquela viagem, ou desejar-se terminar finalmente o curso, fazer mais uma viagem, enfrentar o desafio de uma vida, quem sabe até
No momento de elegermos secretamente os nossos desejos para o Novo Ano, enquanto engolimos cada uma das doze passas, podem ocorrer-nos num breve instante ideias infinitas e sonhos múltiplos. Gostaríamos de tanta coisa, quereríamos tanta coisa, precisamos de tanta coisa
E no entanto talvez a esperança nos chegue. A esperança apenas. Talvez seja quanto baste.
Um Novo Ano de 2006 cheio de alegria e esperança para todos!
Um abraço amigo! (Zé Paulo)
Sexta-feira, 23 de Dezembro de 2005
Natal
A todos quantos acreditam, celebrem a vinda do menino e com ele o renascimento da paz, da alegria e do amor.
Os que não crêem saberão também decerto encontrar em algo a raíz de todas as esperanças. A isso poderão talvez também chamar Natal.
Que no céu povoado ou desabitado todos possam descobrir uma estrela que brilhe sobre os vossos caminhos.
Bom Natal! (Zé Paulo)
O Suave Milagre
Ora entre Enganin e Cesareia, num casebre desgarrado, sumido na prega de um cerro, vivia a esse tempo uma viúva, mais desgraçada mulher que todas as mulheres de Israel. O seu filhinho único, todo aleijado, passara do magro peito a que ele o criara para os farrapos da enxerga apodrecida, onde jazera, sete anos passados, mirrando e gemendo. Também a ela a doença a engelhara dentro dos trapos nunca mudados, mais escura e torcida que uma cepa arrancada. E, sobre ambos, espessamente a miséria cresceu como bolor sobre cacos perdidos num ermo. Até na lâmpada de barro vermelho secara há muito o azeite. Dentro da arca pintada não restava um grão ou côdea. No Estio, sem pasto, a cabra morrera. Depois, no quinteiro, secara a figueira. Tão longe do povoado, nunca esmola de pão ou mel entrava o portal. E só ervas apanhadas nas fendas das rochas, cozidas sem sal, nutriam aquelas criaturas de Deus na Terra Escolhida, onde até às aves maléficas sobrava o sustento!
Um dia um mendigo entrou no casebre, repartiu do seu farnel com a mãe amargurada, e um momento sentado na pedra da lareira, coçando as feridas das pernas, contou dessa grande esperança dos tristes, esse rabi que aparecera na Galileia, e de um pão no mesmo cesto fazia sete, e amava todas as criancinhas, e enxugava todos os prantos, e prometia aos pobres um grande e luminoso reino, de abundância maior que a corte de Salomão. A mulher escutava, com os olhos famintos. E esse doce rabi, esperança dos tristes, onde se encontrava? O mendigo suspirou. Ah esse doce rabi! Quantos o desejavam, que de desesperançavam! A sua fama andava por sobre toda a Judeia, como o sol que até por qualquer velho muro se estende e se goza; mas para enxergar a claridade do seu rosto, só aqueles ditosos que o seu desejo escolhia. Obed, tão rico, mandara os servos por toda a Galileia para que procurassem Jesus, o chamassem com promessas a Enganim; Sétimo, tão soberano, destacara os seus soldados até à costa do mar, para que buscassem Jesus, o conduzissem, por seu mando, a Cesareia. Errando, esmolando por tantas estradas, ele topara os servos de Obed, depois os legionários de Sétimo. E todos voltavam, como derrotados, com as sandálias rotas, sem ter descoberto em que mata ou cidade, em que toca ou palácio, se escondia Jesus.
A tarde caía. O mendigo apanhou o seu bordão, desceu pelo duro trilho, entre a urze e a rocha. A mãe retomou o seu canto, a mãe mais vergada, mais abandonada. E então o filhinho, num murmúrio mais débil que o roçar duma asa, pediu à mãe que lhe trouxesse esse rabi que amava as criancinhas, ainda as mais pobres, sarava os males, ainda os mais antigos. A mãe apertou a cabeça engelhada:
- Oh filho! e como queres que te deixe, e me meta aos caminhos, à procura do rabi da Galileia? Obed é rico e tem servos, e debalde buscaram Jesus, por areais e colinas, desde Chorazim até ao país de Moab. Sétimo é forte e tem soldados, e debalde correram por Jesus, desde Hébron até ao mar! Como queres que te deixe? Jesus anda por muito longe e nossa dor mora connosco, dentro destas paredes e dentro delas nos prende. E mesmo que o encontrasse, como convenceria eu o rabi tão desejado, por quem ricos e fortes suspiram, a que descesse através das cidades até este ermo, para sarar um entrevadinho tão pobre, sobre enxerga tão rota?
A criança, com duas longas lágrimas na face magrinha, murmurou:
- Oh mãe! Jesus ama todos os pequeninos. E eu ainda tão pequeno, e com um mal tão pesado, e que tanto queria sarar!
E a mãe, em soluços:
- Oh meu filho como te posso deixar! Longas são as estradas da Galileia, e curta a piedade dos homens. Tão rota, tão trôpega, tão triste, até os cães me ladrariam da porta dos casais. Ninguém atenderia o meu recado, e me apontaria a morada do doce rabi. Oh filho! Talvez Jesus morresse... Nem mesmo os ricos e os fortes o encontram. O Céu o trouxe, o Céu o levou. E com ele para sempre morreu a esperança dos tristes.
De entre os negros trapos, erguendo as suas pobres mãozinhas que tremiam, a criança murmurou:
- Mãe, eu queria ver Jesus...
E logo, abrindo devagar a porta e sorrindo, Jesus disse à criança:
- Aqui estou.
"Eça de Queiroz"
Quarta-feira, 21 de Dezembro de 2005
Das coisas que se vão lendo
Há livros que pensamos ter mesmo de ler, mas que as armadilhas do tempo e das circunstâncias vão mantendo afastados. Quando vamos finalmente ao seu encontro, para os estudar, ou fazer deles apenas uma leitura descomprometida, podemos talvez experimentar um sentimento sublime, deixarmo-nos encantar, como na peregrinação que algum dia temos de fazer aos lugares neles narrados.
Mas para vos falar do livro que andei a ler nos últimos tempos, deixo-vos estas palavras, decerto mais autorizadas:
Mas o viajante traz uma ideia fixa: ir a Rio de Onor. Não é que da visita espere mundos e maravilhas, afinal Rio de Onor não passa duma pequena aldeia, não constam por lá sinais de godos ou de mouros, porém quando um homem mexe em livros colam-se-lhe à memória nomes, factos, impressões, e tudo isto se vai elaborando e complicando até chegar, é este o caso, às idealidades do mito. O viajante não veio fazer trabalho de etnólogo ou de sociólogo, dele ninguém esperará supremas descobertas, nem sequer outras menores: tem apenas o legítimo e humaníssimo desejo de ver o que outras pessoas viram, de assentar os pés onde outros pés deixaram marcas. Rio de Onor é para o viajante como um lugar de peregrinação: de lá trouxe alguém um livro que, sendo obra de ciência, é das mais comovedoras coisas que em Portugal se escreveram. É essa terra que o viajante quer ver com os seus próprios olhos. Nada mais. José Saramago, Viagem a Portugal (Zé Paulo)
Terça-feira, 20 de Dezembro de 2005
Na digestão, ou tópicos para um resumo do jantar de Natal:
Nem sempre os boatos se revelam verdades, e o que alguém dissera atrás não se verificou, o Chefe da Pele de Leopardo não pagou o jantar à malta. Em contrapartida, desta vez não nos obrigou a cantar o Amigos para Siempre.
Mas cantámos outras músicas bonitas, bem afinadinhos (?!). No Fado do 31 fizemos coro com a mesa dos anos da Vera (era Vera?). Claro que também lhe cantámos os Parabéns, mas parece que o aniversário da moça era só depois da meia-noite. As superstições estão entre os nossos temas de estudo, talvez não tanto entre as nossas crenças, pode ser que não lhe dê azar...
A propósito de música, alguém notou que o instrumento do Sérgio era maior do que da última vez...
O Tiago teve uma noite inspiradíssima, mas continua um fanático dum lampião (moléstia que não passa...).
O nosso capitão Ribeiro, meu camarada de grupo de sempre, teve de sair mais cedo, mas presenteou-nos com um pequeno e simpático discurso. Continua a impingir rifas por tudo e por nada, mas desta vez não é para um vitelo beirão.
É impressão minha ou a ementa ali é sempre a mesma? Bom, ok, é digerível, e o que importa é mesmo mais o convívio.
Às tantas o Ferraz perguntou-me se havia ali alguém que em termos profissionais estivesse a fazer algo de antropologia. Felizmente nestas coisas há sempre malta a solicitar-nos, muitas conversas cruzadas, e mudou-se rapidamente de assunto...
O Zé Carlos foi o único dos resistentes do ISCTE a estar com os reformados, na companhia da Ana Paula. A ela e aos restantes acompanhantes o nosso obrigado pela presença e desculpem qualquer coisinha esta malta é assim um bocado para o... olha, marciana!
A troca de presentes decorreu da forma habitual, prometo que tentarei inovar, numa próxima ocasião. O Tiago ganhou um lampião (?!) e o Teixeira nem embrulhou o Porto que ofereceu. Foi o que fez melhor, pois abriu-se logo ali.
Enfim, nestas linhas avulsas procuro esboçar um breve sumário do nosso jantar natalício. Outros poderiam fazê-lo de forma diferente e decerto bem melhor. Mas já sei, têm pouco tempo, há muitas dificuldades de entrar no blog, há falta de inspiração e até, imagine-se, medo de não estar à altura (mas que altura?!). Ok, cá estou na tarefa de escriba, para o que der e vier. Entre os votos para o novo ano vou colocar o de que isto seja mais participado (mas de votos de ano novo e boas intenções...).
Lá para 4 de Fevereiro voltamos a ver-nos: o Sérgio vai dar um concerto no Museu da Música. Entretanto, vamos aparecendo, no espaço físico ou virtual (embora seja muito visto neste, prefiro o primeiro). Esta turma singular parece sobreviver aos quatro anos de aulas. Pelo menos todos aqueles que puderam e quiseram ir ao jantar continuam a gostar de estar juntos. É quanto baste.
Um abraço! (Zé Paulo)
Sexta-feira, 16 de Dezembro de 2005
Então...
Até amanhã, camaradas... (Zé Paulo)
Ouvi dizer...
"Boato: do Lat. boatu, grito, alvoroços. s.m., notícia anónima que corre publicamente; atoarda, balela, rumores." (in "Priberam", dicionário online)
Não pareça um incentivo para a adesão generalizada ao jantar de amanhã, mas ouvi dizer que, imbuído do espírito generoso do Natal, o nosso querido Delegado poderia querer pagar-nos a conta!!! (Anónimo, como convém nestas coisas...)
Uma instituição nacional
Roam-se de inveja aqueles que ainda não acabaram o curso e à saída do trabalho têm que ir para o ISCTE e não logo para as suas casas. É que eu ontem cheguei a casa ainda a tempo de ver o final do Natal dos Hospitais, com o Marco Paulo e o Coro de Santo Amaro de Oeiras... (Zé Paulo)
Quarta-feira, 14 de Dezembro de 2005
Fugas, ou sobrevivência de um suburbano
Lá em cima encontraram-se o de Sintra, o da margem sul e o de Vila Franca. É certinho, confusão da grande.
A gare não chega para a multidão apinhada à espera do metro.
Aumento da linha, aumento de clientes, mas poucas mexidas na circulação, só aumento dos preços (25% em 2004!) e uma gestão crucificada pelas auditorias, com cúmulos como o do sistema de controlo do acesso às gares
Suburbano detém-se. Hoje não está com espírito reivindicativo. Deve ser a aproximação da época natalícia e o seu apelo à pacificação.
Recua do amontoado de gente, prefere esperar pelo próximo. Procura fugir aos empurrões animalescos e aos rostos a que foi retirada a expressão, quase inumanos.
O metro passou. Agora suburbano vagueia por uma gare quase vazia. Alheia-se do ruído irritante do novo hit da rainha do pop, que os ecrãs da estação insistem em repetir, e observa nas paredes o trabalho de Bartolomeu Cid dos Santos sobre a Ode Marítima, de Álvaro de Campos. Os versos desprendem-no do real, abrem no horizonte um céu novo e limpo. Uma gaivota que passa e a minha ternura é maior...
Com a chegada de novo comboio esvai-se a paz. Suburbano procura resistir, imaginando na linha do metro um rio e pensando que todo o vapor ao longe é um barco de vela perto...
Desperta envolvido num mar de gente. Afinal também ele tem de ir para o trabalho.
Ainda enfeitiçado, suburbano julga entrever Camões na outra margem, mas é empurrado para dentro do metro antes de lhe poder acenar. À tarde a pressa do regresso impedi-lo-á de compreender que Cid dos Santos fizera uma composição sobre Os Lusíadas na gare poente. (Zé Paulo)
Terça-feira, 13 de Dezembro de 2005
Acerca das Auto-Europas, Delphis e modelos de desenvolvimento
Dedicado em especial ao meu velho e grande amigo Miguel, que claro que nunca se rendeu ao capitalismo (nem nós deixaríamos...) (Zé Paulo)